Day-to-Day

[CENA] Flap, Flap.

November 12, 2010

INT. DIA – CONSULTÓRIO DE TERAPIA

No centro, uma mesinha com tampo de vidro e duas poltronas – uma de frente para a outra. A luz é fraca, de fim de tarde, e entra por uma janela. Numa das cadeiras está MARIA, a terapeuta, cabelos longos e grisalhos, com um vestido marrom. Na outra, FLÁVIO, um sujeito de porte atlético, feições amigáveis e se debulhando em lágrimas. Maria está de costas para a porta, e Flávio tem atrás de si uma parede e um pequeno monte de almofadas.

FLÁVIO
(chorando)
Você entende, Maria? O meu pai não tinha direito de fazer isso comigo…

MARIA
Flávio, você já parou pra pensar que ele podia nem sequer perceber que isso te machucava? Que na verdade ele só queria um pouco de…

Algo se bate na janela, chamando a atenção dos dois. Não vêem nada, e Maria vai retomar o que falava, quando algo se bate novamente na janela, agora com mais força, quebrando-a. Ambos se assustam. Maria se levanta para ver de perto o que aconteceu com a janela.

FLÁVIO
(desesperado)
Aaah! Um morcego!

Imediatamente Maria se joga ao chão, procurando abrigo atrás de sua cadeira. Flávio fica em pé na cadeira, que cai para trás, e ele então mergulha em meio às almofadas, rastejando.

MARIA
Cadê?

Flávio chora compulsivamente, escondido em meio às almofadas, o morcego dá um rasante perto de sua cabeça.

FLÁVIO
Ele vai me pegaaar! So-cor-ro!

O morcego se bate um tanto nas paredes e cadeiras, e por fim pousa de cabeça para baixo, embaixo da mesinha de vidro. Flávio continua a chorar. Maria olha fixamente para o bicho, entre o terror e a necessidade de tirá-lo dali.

MARIA
Flávio, Flávio, é só um morcego! Enxota ele pela janela de volta.

Flávio não responde, só continua soluçando.

MARIA
Cadê os filhos nessas horas?

FLÁVIO
Bate nele! Mata esse bicho!

MARIA
Não! Ele tá mais assustado que a gente!

Flávio se levanta gritando das almofadas e erguendo a cadeira, para jogá-la sobre a mesinha, esmagando o morcego.

Maria pula de trás da segurança de sua poltrona, empurrando a mesa e assustando novamente o morcego antes que Flávio jogue a cadeira.

O morcego sai voando pela sala.

Flávio joga a cadeira, destroçando a mesinha e não acertando Maria por muito pouco. Ele está completamente alterado. Maria o fuzila com os olhos.

Maria levanta-se, encarando Flávio, que vai voltando a si, e ficando completamente sem graça.

FLÁVIO
Maria, me desculpe… Olha, é melhor eu ir, e depois a gente acerta isso, desculpa, desculpa…

Ele vai andando de costas, em direção à porta.

MARIA
Você reparou que o que você quase fez com o morcego é praticamente o mesmo que seu pai fazia com você?

Flávio congela, com cara de surpresa.

MARIA
E aposto que você não estava fazendo por mal…

Os olhos de Flávio se enchem de lágrimas, ele recomeça a chorar e anda até Maria, abraçando-a efusivamente, levantando-a do chão. Abraço de urso, ela fica até sem fôlego, e o homem continua a chorar, com um grande sorriso no rosto.

MARIA
Depois a gente acerta sobre essa mesinha, ok? E nunca mais, NUNCA MAIS tente machucar um bicho enquanto eu estiver por perto, senão quem vira bicho sou eu!

FLÁVIO
Tá bom, desculpa mais uma vez, Maria.

Ela acompanha o homem até a porta.

MARIA
Então, semana que vem, no mesmo horário, certo?

FLÁVIO
Confirmado.

Ela fecha a porta e volta até o centro do consultório, segurando o riso. Olha bem a confusão pela sala, caminha de volta até o telefone, perto da porta.

MARIA
Jó, a vassoura tá fácil de achar aí? Ah, a próxima cliente já chegou? Tá, vou aí falar com ela e pegar a vassoura.

Maria sai da sala, rindo de graça e emoção.

  • Tito Ferradans November 12, 2010 at 8:33 pm

    Preciso que vocês saibam: foi FODA formatar esse texto pra manter a aparência de roteiro, usando os códigos de texto para web. Acho que tem mais código que texto aí…

  • Ferradans. · Monólogo de Maria. November 16, 2010 at 12:50 pm

    […] Depois desse título extremamente blasé, acho que preciso explicar um pouco. O texto abaixo é o que se passa na cabeça de Maria, durante o andamento da cena Flap, Flap. […]