Day-to-Day

UP14 – HFR

July 7, 2014

O ano vai chegando ao fim, e temos mais uma parte de “O Hobbit” entrando em cartaz nos cinemas. Assim como no ano passado, o filme chega com uma grande variedade de versões, mas a discussão aqui vai focar-se na mais diferente de todas: a tal da HFR (high-frame-rate). Alardeada pela produção do filme como uma grande revolução no cinema, a versão HFR tem o dobro de quadros por segundo que um filme normal.

O padrão cinematográfico, estabelecido ao longo de mais de cem anos de história, é de 24 quadros por segundo. Na TV são 30 quadros por segundo. Alguém muito importante na equipe de “O Hobbit” afirmou que 48 quadros por segundo seriam uma coisa fantástica pelos seguintes motivos: há mais foco, menos borrão de movimento, mais sensação de realidade e mais imersão no filme. Desses quatro motivos, três são plausíveis, mas o último é extremamente falso.

Durante a primeira metade do filme, a sensação é de assistir a um making of onde os equipamentos estavam escondidos e tudo se move de forma acelerada. Todas as ações parecem acontecer mais rápidas do que de fato ocorrem. Realmente, os detalhes aparecem muito mais em foco, e são tantos detalhes perceptíveis que até prejudicam o filme. É possível desconfiar dos objetos de cena, que parecem falsos (feitos de isopor e compensado), os mesmos objetos que são perfeitamente convincentes na versão tradicional (a 24 quadros por segundo) do mesmo filme!

Depois da primeira metade da projeção, consegui convencer minha mente que aquilo não era um making of. O próximo cenário escolhido pra processar as imagens foi na frente de uma loja de eletrodomésticos, com uma tela particularmente grande. Não sei se vocês já pararam pra observar como, de relance, as imagens dessas TVs de loja parecem incrivelmente mais detalhadas e bonitas que as do cinema, ou das nossas TVs de casa. De fato, as imagens daquelas TVs são bastante diferentes das originais, por conta de uma série de configurações especiais, aplicadas pelos fabricantes, para passar justamente essa sensação de “realidade”. Basicamente, o que se faz é aumentar o contraste, jogar uma tonalidade azulada na imagem como um todo, aplicar um filtro de nitidez e sintetizar novos frames (inexistentes no filme original), para dar mais “realidade” aos movimentos, a uma taxa de quadros mais elevada que os 24 ou 30 quadros originais.

O resultado é extremamente exagerado e tem uma textura de vídeo, como o jornal que vemos na hora do almoço, ou jantar. Não é mais ficção, é realidade. Fica com cara de algo que pode ser visto acontecendo na rua. Mas (infelizmente) não temos hobbits, magos, anões e orcs perambulando pelas ruas. Então aquela imagem projetada ali só pode ser falsa, e é aí que a imersão vai para o brejo, porque quando a coisa é visivelmente artificial, mas tenta convencer como real, tudo fica tosco. Numa analogia estranha, quando o sujeito é feio, mas age como se fosse bonito, não dá pra não achar engraçado ou ter pena. E nessa hora que a coisa fica tosca, nós, espectadores, somos jogados para fora do filme mais rápido que uma flecha de Legolas (a 24 quadros por segundo, por favor).

Em 2009, o filme “Quem Quer Ser Um Milionário” ganhava o Oscar de Melhor Direção De Fotografia. A parte curiosa é que todos os trechos do filme que evocam sentimentos e emoções intensas foram filmados a menos que 24 quadros por segundo (para ser exato, foram filmados a 12 quadros por segundo). É um visual ainda menos fluído que o tradicional, mas funciona justamente porque caminha em uma direção onírica, oposta à realidade. Quanto mais quadros por segundo mais nos aproximamos da realidade em que vivemos. Só que ninguém vai ao cinema para ver a realidade. A gente vai no cinema justamente pra ter uma folga da realidade, e acompanhar uma história bem contada, com personagens fantásticos.


Coluna Ultrapassagem, Publicada originalmente na Revista OLD #28, em Dezembro/2013