Co-Respondentes

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PRÓLOGO.

Rafael está confortavelmente acomodado na sua poltrona do vôo TAM 3272, de Belo Horizonte rumo a São Paulo, decolando às 23h50 e aterrisando nas primeiras horas do dia 10 de Julho. Faltam alguns minutos para a decolagem e, apesar de todas os assentos estarem vendidos, alguns deles ainda estão vazios.

– Senhores passageiros, pedimos sua compreensão e paciência. Aos passageiros em conexão, favor dirigirem-se a seus lugares para que possamos decolar sem maiores atrasos – A aeromoça, sempre muito suave, informa no sistema de som da aeronave.

Gradativamente, os assentos vazios vão sendo ocupados. Há um ao lado de Rafa. Uma moça vem apressada pelo corredor, carregando uma grande bolsa no braço esquerdo e com o ticket da passagem na mão direita.

– 7F – ela confirma para si mesma em voz alta, olhando para a cadeira vazia ao lado do rapaz – É esse mesmo. Boa noite, desculpa pelo incômodo.
– Sem problemas – ele responde, educado – Boa noite.

Rafael vira para o lado da janela, distraindo-se com os ônibus e carros que circulam pela zona de embarque do Aeroporto Internacional de Confins. A noite está bonita e o céu, salpicado de estrelas, cintila enquanto o avião acelera para decolar.


O vôo de Carol atrasara e ela entra às pressas, com uma meia dúzia de outros passageiros, no avião que fará a conexão entre Salvador e São Paulo.

Carregando sua bagagem de mão, ela procura seu lugar.

– 7F – ela confirma para si mesma em voz alta, olhando para a cadeira vazia ao lado de um rapaz – É esse mesmo. Boa noite, desculpa pelo incômodo.
– Sem problemas – ele responde, educado – Boa noite.

Sem cara de muitos amigos, ele se vira para observar a janela enquanto o avião decola. Carol, ainda num ritmo apressado, folheia nervosamente as revistas de bordo.

– Sabe que essa é a segunda vez que entro num avião, em toda a minha vida? – ela tenta puxar assunto para relaxar um pouco.
– É mesmo? – o homem responde, ainda olhando pela janela, sem muito ânimo.
– É. A primeira foi algumas horas atrás. Nunca achei que esse negócio de conexão, e voar, e essas coisas todas fossem tão desconfortáveis – ela insiste, apesar de achar que aquela conversa não vai levar a lugar nenhum.
– Ah, tenta relaxar. Se você dormir, a viagem passa mais rápido. Depois de algumas viagens, você acostuma.
– É bom acostumar mesmo, porque segunda-feira eu tô embarcando de novo pra casa.

Sem obter resposta, ela desiste dessa tentativa. Sua cabeça está a mil. Ela tenta fechar os olhos para dormir, mas está muito inquieta. Será que esse será o fim de semana mais incrível de sua vida?


A moça ao lado de Rafael insiste em puxar assunto naquele lotado, mas ainda assim vazio, vôo noturno. “Segunda vez que eu entro num avião“, ele pensa com ironia. “E eu com isso?“.

Pelo reflexo da janela plástica, ele a observa enquanto ela primeiro tenta dormir, depois pega um livro velho na bolsa e começa a ler, ou folhear. Não dá para saber ao certo, dada a velocidade que ela passa as páginas. Forçando um pouco mais a visão, ele identifica o título do livro. “Perto do Coração Selvagem”. Isso só faz o estômago do rapaz dar mais voltas. Não por conta do desconforto do vôo, e sim pela ansiedade em relação ao que está combinado para acontecer nesse fim de semana. “Definitivamente o destino está a fim de brincar comigo“. Sutilmente ele olha no bolso interno do paletó, certificando-se novamente de estar com a gravata vermelha.


Carol folheia nervosamente as páginas do livro que originou toda essa situação. Lê um parágrafo aqui, outro ali. Ocasionalmente lê apenas uma frase ou a página toda. Seu vizinho de vôo já pegou no sono faz alguns minutos e a poltrona dela é uma das únicas iluminadas no avião.

Ela estende o braço e desliga a pequena lâmpada, guardando o livro em seguida. No escuro, de olhos fechados, ela lembra da promessa.

Estarei lá sim. Terei uma grande flor enfeitando meus cabelos.”

NARRATIVA.

É um fim de tarde bastante ensolarado de uma quinta feira comum na cidade de Belo Horizonte. Rafael chega em casa depois de um exaustivo turno na agência onde trabalha. À porta de seu apartamento, depara-se com um pequeno embrulho que chegara pelo correio. Ele pega o pacote.

Destinatário: Carolina Martins
Rua da Aurora, 927, Ap 32.
01450-100

“Estranho… É meu endereço, mas, até onde eu saiba, aqui em casa não tem nenhuma Carolina Martins…”. Na cozinha, ele abre cuidadosamente o pacote e se depara com um livro. Perto do Coração Selvagem, por Clarice Lispector. Primeira edição, datada de 1943. No marcador de páginas, o telefone e endereço de uma livraria especializada, em São Paulo.

Rafael pega o telefone e disca o número indicado no marcador.

Laura atende o telefone, apoiando-o no ombro enquanto digita no computador à sua frente. Há várias pilhas de livros no local.

Livraria Clássicos Modernos, Laura. Boa tarde.
Olá, boa tarde. Eu gostaria de confirmar o endereço de entrega de uma encomenda.
Qual o número do pedido, senhor?
Poxa, eu não tenho essa informação comigo agora, mas o pedido está em nome de… –
Rafael faz uma breve pausa enquanto consulta novamente a etiqueta da caixa – Carolina Martins.
Sinto muito, senhor, mas só posso te passar esse endereço se você tiver o número do pedido.
Laura, olha só… O livro que eu encomendei é um presente para a minha esposa. Ela adora a Clarice Lispector, e o aniversário dela é amanhã, então, eu tô numa situação meio complicada. Você não pode mesmo me ajudar? Tô achando que cadastrei o endereço errado.
Ahh, tá, vou ver o que consigo. Aguarda um pouco que eu verifico para o senhor.
Estou esperando. Obrigado, Laura –
ele ouve o som das teclas sendo digitadas enquanto a moça faz a consulta no terminal.
Carolina Martins. Rua Aurora, 927, Ap 32, Salvador – Bahia, CEP 41050-100, confere? –
ela informa – Foi despachado anteontem, via SEDEX.

Bingo!” – ele pensa consigo mesmo enquanto anota o novo endereço.

É… É esse endereço mesmo… Bem, deve estar chegando então. Muito obrigado, Laura. Salvou minha vida.

Rafael já tirara o telefone do ouvido quando Laura percebe algo estranho na ficha de Carolina. Estado Civil: Solteira.

Err.. Senhor? – ele desliga o telefone sem nem sequer ouvir o protesto da moça.

Momentos depois, munido de papel e caneta, o rapaz  escreve uma breve carta para a tal “Carolina Martins” explicando a situação e colocando-a junto com o pacote que chegara a seu endereço por engano. Na manhã seguinte, o embrulho é despachado novamente, mas dessa vez para o destinatário apropriado.

Destinatário: Carolina Martins
Rua Aurora, 927, Ap 32
Salvador – BA
41050-100

Cara Carolina,

Meu nome é Rafael, eu não te conheço nem você me conhece, mas, por engano, acabei recebendo algo que é seu. Pelo que vejo, nossos endereços são parecidos, apesar de muito distantes.

Como  o pacote parecia importante, providenciei encaminhá-lo a você o mais rápido que pude. Espero não ter causado problemas.

Atenciosamente,
Rafael Porto.

PS: Esse livro é brilhante!
PS2: Para conseguir seu endereço, tive que ligar para a loja e mentir que era seu marido. Espero que ele não sinta ciúmes disso. Foi por uma boa causa, eu acho.


Na ensolarada e tropical cidade de Salvador, Carolina Martins chega em casa pouco antes do almoço. A moça que cuida da portaria a chama e entrega o pacote que chegara.

– Que ótimo! Obrigado, Maria. Comprei um livro pela internet, já tava começando a achar que não iam entregar!

Enquanto sobe até o décimo andar, ela repara no remetente do pacote. “Rafael Porto?

Ao chegar à cozinha, já abriu o pacote e segura o livro com uma das mãos e o envelope do rapaz com a outra. Ela coloca o livro sobre a mesa e se concentra em abrir a carta cuidadosamente para não rasgar o papel.

Ela lê a mensagem, espaçando alguns sorrisos aqui e ali. Em seguida, dedica sua atenção ao livro, abrindo-o, deliciando-se com o toque da capa levemente enrugada pelo tempo e folheando as páginas amareladas. Por tanto tempo ela procurara aquela pequena preciosidade, e por um acaso do destino, quase não chegara a seu destino.

Numa mistura de apreço e educação, ela responde a carta, enviando-a naquela mesma tarde, a caminho da universidade.

Salvador, 17 de Março de 2009

Prezado Rafael,

Agradeço profundamente pelo envio do livro. Essa edição é bem rara, e eu tinha passado vários meses procurando por ele.

Gostaria de saber como faço para cobrir suas despesas com o envio.

Mais uma vez, obrigada.
Carolina Martins

PS: Não se preocupe, ele não vai sentir ciúmes. Ele nem sequer existe. Hahaha.


Belo Horizonte, 25 de Março de 2009

Cara Carolina (gosto da sonoridade disso),

Cobrir minhas despesas não é necessário! A simples resposta de uma carta que eu não esperava já pagou essa suposta dívida. É tão raro trocar correspondências hoje em dia que, não posso negar, me parece uma coisa interessante. Quer tentar?

Atenciosamente,
Rafa.


Salvador, 29 de Março de 2009

Olá, Rafa.

Também gostei dessa sonoridade. Nunca tinha reparado nela. Acho que não posso dizer que recebo muitas cartas… É, de fato, cartas têm um charme peculiar, um toque de paciência, uma espera silenciosa e solitária. Tudo bem, aceito o convite das mensagens. Pode ser divertido!

Será que tenho intimidade suficiente para perguntar o que você faz da vida? Ops, acho que já perguntei!

Atenciosamente,
Carol.


Toda vez que respondia às cartas de Carol, Rafael percebia que era divertido fazer parte daquilo. Não era simplesmente jogar conversa fora ou uma atividade corriqueira. As cartas assumiam cada vez mais o clima descrito pela garota. Ele nunca sabia se, ou quando, uma resposta ia chegar, ou se o envelope chegaria a seu destino em segurança.

Na correria de sua vida profissional, esse momento da escrita lhe permitia relaxar e dar vazão a sentimentos e sensações que há muito tempo tinham se escondido sob as pranchetas e roteiros da agência. “É… Acho que as cartas têm mesmo seu charme…

Belo Horizonte, 05 de Abril de 2009

Cara Carol,

Cara, Caramba, Cara Caraô! – ok, piada infeliz, eu sei. Estou ouvindo Chiclete com Banana enquanto escrevo, e a música simplesmente começou a tocar. Axé da sua terra. Tentarei compensar! Hahaha. Aproveitando o assunto, que tipo de música você ouve?

Bem, acho que tem intimidade para perguntar sim. Humildemente respondo que trabalho numa agência de publicidade e honestamente admito que é muito mais cansativo e estressante do que eu jamais imaginei enquanto estava na faculdade! E a senhorita, a quê dedica seus dias?

Abraço,
Rafa.


Salvador, 12 de Abril de 2009

Olá Rafa!

Poxa vida! Agora já posso dizer que conheço um publicitário de sucesso! Eu faço faculdade, ainda, mas você tem que me dar um crédito porque medicina demora mais pra terminar do que a maioria dos cursos! Tô no sétimo semestre, então ainda tem muito tempo a correr até eu conseguir meu diploma. É meio desapontador pensar assim, mas…

Sobre meu gosto musical, digamos que ele não é tão baiano-pop assim. Já tive minha fase de carnavais, mas agora não consigo sequer ouvir um começo de axé sem querer sair do ambiente. É tudo muito igual, muito clichê, sabe? Você pega uma das letras e, usando as mesmas palavras pode escrever todas as outras! Prefiro algo mais calmo, uma bossa, um rockzinho leve, um violino, que por sinal já tentei aprender a tocar, mas desisti. Em resumo, não posso dizer que contava com o apoio dos vizinhos. Você gosta de quê, além de Chiclete? Toca algum instrumento?

Abraços,
Carol.

PS – O Felix manda um miado pra você.


Belo Horizonte, 21 de Abril de 2009

Carol,

Medicina, hein? Caramba! Parabéns! E não fique tão apressada em pegar seu diploma! Aproveite bem a faculdade, conheça pessoas, aproveite que não tem que se sustentar ainda e curta o que puder! Momento nostalgia? Talvez… Eu gostava de cair na farra TODO FINAL DE SEMANA nos tempos de facul. Saía na sexta de manhã para a aula e só voltava no domingo, quase segunda feira.

Me chamar de publicitário de sucesso é um tanto quanto querer forçar a barra! Tô no começo da carreira e nenhum “contrato milionário” veio parar em minhas mãos (ainda) lá na agência. Mas te aviso assim que estiver fazendo comerciais com os bichinhos da Parmalat!

Pelo tipo de música, eu diria que você é uma moça comportada, que dorme antes das onze, não bebe, não fuma e só usa saias abaixo do joelho. Hahaha. Tô brincando! Falando de roupas, qual sua cor preferida?

Música é constante na minha vida, quase um vício!  Gosto de tudo que consiga me prender no ritmo. Pode ser axé, pagode, salsa, tango, funk, rock, techno, tudo! Assim como você, minhas aventuras com “tocar música” também não foram muito bem sucedidas. Tentei violão, baixo, bateria e até tuba, mas nunca consegui nada muito concreto. Acho que eu serei eternamente apenas um apreciador.

Abraço,
Rafa.

PS – Felix? Miado?
PS2 – Com base em meus cálculos e estimativas, você tem 25 anos. Aposto um sorvete nisso. Ganhei ou perdi?


Apesar de sentir que Rafael não é nada parecido com ela, Carol não consegue parar de responder as cartas. E enquanto nenhuma nova chega, ela relê as velhas, pensa em coisas para perguntar, imagina como ele é. Será que é alto, baixo, gordo, magro? Tem barba ou não tem? Cabelos claros ou escuros?. “Será que ele existe mesmo? Será que não é só alguém brincando comigo?”.

As dúvidas  são uma presença constante nessa sua linha de pensamentos. Por fim, concluiu que pediria uma foto na próxima resposta.

– Moça, são sessenta e cinco centavos – o atendente em treinamento dos Correios fala um pouco mais alto, tirando-a de seus devaneios.
– Oh, desculpe! Aqui estão. Obrigada – ela pega uma pequena pilha de moedas, contada e recontada antes de sair e separada no bolso da calça, entregando-a ao rapaz.
– Obrigado, tenha uma boa tarde – ele conclui, como manda o manual em cima do balcão – Próximo!

Salvador, 28 de Abril de 2009

Rafa,

Você é um garoto da farra, pelo visto! Não é, como você adivinhou, muito meu tipo de coisa, mas, sair com os amigos pra conversar e passear é sempre bom. É a companhia que faz cada situação especial, seja na praia, no teatro, num parque, enfim, acho que deu pra pegar o espírito da coisa. E nessa história de dormir antes das onze você se enganou feio. Por exemplo, só respondo suas cartas depois das duas da manhã!

Beber, até vale, de vez em quando, mas é coisa rara. Sobre o cigarro, eu te desafio a encontrar meia dúzia de estudantes de medicina, por aqui, que fumem. No primeiro semestre tem um professor fantástico de anatomia que, literalmente, te convence a parar de fumar! Todo ano, a primeira frase que ele solta ao entrar numa sala de calouros é: “Eu aposto meu carro que qualquer possível fumante nessa sala vai desistir do cigarro antes do fim do semestre”. Até hoje ele tem o carro. É uma coisa meio mágica, meio absurda, mas ele sempre vence.

Meu caro, saia abaixo do joelho nem minha mãe usava quando tinha minha idade! Hahaha!

Não posso dizer que entendi completamente sua pergunta. Você se refere à minha cor favorita, pura e simplesmente, ou à minha cor favorita para roupas? Em ambos os casos, a resposta é Laranja. Por que? Qual a sua favorita?

Beijo,
Carol.

PS – É, meu gatinho preto da carinha branca, igual ao desenho animado!
PS2 – Sinto muito em lhe informar, mas você perdeu! Passou perto, mas errou. Tenho 24. Agora me deve um sorvete. Vou cobrar!
PS3 – Desde ontem, só se fala em gripe suína na faculdade! O terror se alastra para todos os lados! É meio egoísta de se dizer, mas, ainda bem que não tenho amigos ou parentes em São Paulo ou Rio! Você tá acompanhando essa onda também, ou é só coisa de estudantes de medicina?


Na manhã do dia 29 de Abril, Rafael entrava elegantemente na agência no seu horário habitual quando foi interrompido por Marina, a recepcionista.

– Bom dia, Nina!
– Bom dia, Rafa. Olha, a Luísa já chegou. Está esperando na sua sala.
– Luísa?! É algum contrato novo? Marina, pelo amor de deus, não me diz que eu deixei uma cliente esperando!
– Que cliente, rapaz! É sua estagiária!
– E… Estagiária? Que estagiária?
– Hm… Então foi isso que o Carlos quis dizer com “dê as más notícias ao Rafael”… –
a moça murmura para si mesma, num tom alto o suficiente para o rapaz ouvir.
– Ô Marina, que história é essa? Más notícias? Estagiária?
– A chefia tava procurando alguém que fosse paciente e que pudesse receber uma mãozinha. Aí seu nome apareceu. Novo na empresa, recém formado, ótimo profissional pra acompanhar uma estagiária sem traumatizar a moça!
– Ma-ra-vi-lha!
– completa Rafa, ironicamente – Então acho que não tenho opções, certo?
– É, mais ou menos isso. Boa sorte.
– Obrigado, Nina. Acho que vou precisar.

Muitíssimo mau humorado, Rafa seguia resmungando em direção a sua salinha no fim do corredor enquanto ouvia piadinhas e assobios de todos os colegas, sem distinção de gênero.

– Aí, publicitário-modelo! Mostra pra galera que você ainda sabe cuidar de uma estagiária! – um colega grita do último cúbiculo pelo qual passara.

Com base na expressão da garota e no tom de vermelho em seu rosto, sim, ela havia escutado perfeitamente o que o “colega” gritara.

Bom dia – Rafael diz, sério, como se nada da balbúrdia tivesse acontecido.
– Bom dia – ela responde, passando as mãos no rosto e tentando expressar normalidade.
– Luísa, né?
– É…

– Então, primeiro de tudo, sejamos honestos. Eu não pedi pra ter uma estagiária, nem sei como você pode me ser útil.
– Já que é pra ser honesta, eu também não pedi um chefe resmungão!
– a moça responde ofendida – E não acho que ficar discutindo vai adiantar muita coisa. Essa é uma oportunidade importante pra mim.
– Importante? Você tá falando sério? Qual a importância de ser estagiária de uma agenciazinha de publicidade, de um sujeito recém formado que não pega um contrato que preste? – Rafa encara o quadro-storyboard atrás de sua mesa enquanto fala. A moça está sentada numa cadeira atrás dele e ele não repara seus olhos marejados enquanto ela sai sem fazer barulho.

Ela cruza os corredores a passos largos, sob os olhos de todos, estupefatos, silenciosos e um tanto quanto arrependidos. Para ela, nada daquilo existe e toda a sua concentração está em sair daquele lugar horrível. Ele se vira ao ouvir o estalo da porta se fechando. Pelo vidro fosco, consegue distinguir a garota já longe, perto da recepção.

Porra, Rafael, você é um ignorante!“. Ele fica na sala, ainda sem reação enquanto o telefone começa a tocar. É da recepção.

Ele atende.

– Rafa, eu já vi muita coisa estranha nessa empresa, mas uma estagiária sair correndo e chorando pela porta da frente, em menos de cinco minutos é bem inédito. Algum comentário a fazer?
– Nina, não me amola agora. Você tem como me passar o celular dela?
– Da Luísa? É pra já.
– Obrigado.

Nervoso e inquieto, Rafael dá voltas ao redor da mesa na sua pequena sala enquanto disca o número de Luísa. O telefone chama pelo que parece ser uma eternidade. Ela atende com a voz ainda um tanto receosa.

– Alô?
– Luísa?
– É ela, quem gostaria?
– É o Rafael, aqui da agência.
– O que é que você quer?
– Olha, desculpa, a gente precisa conversar. Onde é que você tá?
– Não sei –
ela hesita – não sei se é uma boa hora.
– Se não for agora, não vai ser depois.
– Tá… Eu tô aqui fora. Saindo da agência, atravessa a rua, na pracinha.
– Tô indo praí
– ele completa, já apressado, abrindo a porta para o corredor que agora é completamente silencioso, quase fúnebre.

Saindo da agência, ele atravessa a rua em meio ao escasso trânsito e, atrás do ponto de ônibus que ele chega no trabalho, realmente existe uma praça. “Nunca reparei nesse lugar… Cadê a garota?“. Sentada num banco próximo a uma velha fonte de águas esverdeadas está Luísa, ainda com rastros das lágrimas no rosto corado. Rafael se aproxima lentamente, organizando na cabeça as coisas que pretende falar. Ela, escondendo o rosto com as mãos, chega um pouco para o lado, dando espaço para ele sentar-se no banco.

– Oi – ele tenta.
Ela não responde.
– Só eu que vou falar, não é?
Nada de resposta. Ele continua, mas olhando para frente, em direção à fonte.
– Tudo bem, que fez a besteira fui eu, nada mais justo. A situação é mais ou menos o seguinte: em primeiro lugar, peço desculpa, porque minhas atitudes foram qualquer coisa, menos “educadas” ou “profissionais”. E tem mais isso… Durante a faculdade, muitos dos meus professores favoritos diziam que estagiários são atrasos na vida de um publicitário. Indiretamente, eu absorvi isso pelo visto, mas pra falar a verdade, nunca passei pela experiência, e admito que é puro preconceito da minha parte. – mudando de postura, ele passa a olhar na direção da garota, esperando que ela fale algo, ou pelo menos tire as mãos do rosto – Acho que o jeito é tentar e ver se vamos conseguir funcionar juntos. Quem sabe, por esse caminho, a gente não consegue um contrato que preste pra assinar embaixo? Pode ser esse o nosso acordo?

Vários instantes se passam em silêncio enquanto Rafael continua olhando em direção a ela, ao passo que a jovem revela seu rosto ainda choroso mas um tanto menos carregado.

– T… tá… Acho que pode ser esse…
– Tem mais. Já que é pra tocar o barco a sério, eu não quero uma estagiária que faça coisas corriqueiras. É pra entrar com a mão na massa, estudar conceitos, dar sugestão, ir a reuniões. Apesar de, no papel, você ser minha subordinada, quero que seja algo mais como uma parceria. Não te tratarei nunca mais como tal, e você não me trata como chefe. Ok?

Luísa esboça um sorriso de canto de boca que rapidamente se expande por todo o rosto da garota. Rafael levanta.

– Por um novo começo? – ele estende a mão para ela, que aceita a gentileza para levantar-se.

Ela sorri e concorda com a cabeça. É a primeira vez que se tocam.

Quando entram na agência, o clima fúnebre continua enquanto os dois percorrem o corredor ao som, unicamente, de seus próprios passos no assoalho de madeira.

– Acho que vamos ter algum tempo de paz e tensão por aqui – Rafael comenta assim que fecha a porta da sala.
– Não sei se isso é bom ou ruim para você, mas eu, particularmente, gosto – Os dois sorriem.
– Agora, vamos ao trabalho! – enfatiza ele.

E ainda não eram nem onze horas daquela conturbada manhã de quarta-feira.

Passada a turbulência inicial, na quinta e na sexta daquela mesma semana, Rafael e Luísa descobriam cada vez mais coisas em comum e o trabalho voava. Estavam num ritmo alucinante, e a agência nunca tinha sido tão divertida para Rafa.  Na sexta feira, pela manhã, Marina chama Rafa pelo telefone e diz que é uma ligação importante. Ao atender, é surpreendido por uma voz desconhecida mas, ao mesmo tempo, bastante familiar, que lhe faz abrir um sorriso de orelha a orelha. Era Maurício Antonini, representante do Grupo Pão de Açúcar no estado de Minas Gerais.

– Então quer dizer que finalmente estou falando com o jovem de sucesso que fez a campanha do refrigerante Toobah?
– Sim, senhor, sou eu mesmo.
– Você faz idéia de com quem está falando, rapaz?
– Perfeitamente, senhor Maurício. Como não reconhecer sua voz após assistir e estudar centenas de vezes o último comercial do Pão de Açúcar? – ele ri um pouco, nervoso. Luísa está montando um gráfico comparativo num quadro plástico e não presta atenção na conversa.
– E qual sua maior observação sobre o comercial? Se me permite perguntar…
– Definitivamente, a ousadia e liberdade da peça, senhor.
– Bom, bom. Gosto de sua percepção, meu jovem. Apenas uma última pergunta e não mais tomarei seu tempo de trabalho.
– Não, não! Nenhum problema, senhor – Rafa ainda mais nervoso, quase gaguejando ao telefone. Luísa se dá conta de que algo está estranho. Ele está com o rosto vermelho e suando enquanto a sala está bastante fria.
– Quer que eu pegue uma água? – ela pergunta sem emitir sons e através de sinais. Ele responde positivamente com o polegar.

Ao abrir a porta para buscar a água, a garota se depara com todos os colegas à porta da sala, olhando fixamente para o homem ao telefone. Dá para sentir a eletricidade no ar. Ela ainda não consegue entender o motivo de tanta ansiedade. Não se ouve nem o barulho constante das impressoras. Já na recepção, ela enche o copo com água gelada e é alcançada por Rafael no meio do corredor.

Ele vem a passos largos, em meio à multidão de publicitários atônitos que abrem passagem. Com uma mão ele pega o copo, com a outra ele pega o braço da garota e continua em sua marcha para o lado de fora, praticamente arrastando-a consigo. Assim que cruzam a porta, ele despeja a água sobre a cabeça e esfrega as mãos no rosto que já começa a voltar à coloração original. Ela ainda com cara de ponto de interrogação.

– E aí, vai ter aquela explicação básica ou eu vou continuar no escuro?
– O que a gente vai fazer agora é absolutamente contra as regras da agência, mas, se tudo der certo, eles não terão margem para reclamações.
– E… se der errado, seja lá o que for?
– Aí, provavelmente, outra pessoa vai passar a ser seu chefe. Eu te explico tudo no carro.

E, dessa forma, menos de uma hora depois, estavam os dois à mesa do melhor restaurante da cidade, almoçando e conversando (quase) descontraídamente sobre negócios e contratos com Maurício Antonini. Ao ser interrogado pelo acionista sobre quem era a moça, Rafael explica que era sua parceira, com quem trabalhava já há bastante tempo. Ao se despedirem, os principais desejos do publicitário tomaram formas concretas.

– Obrigado pelo convite, senhor Maurício – Rafael, sempre educado, ao levantar-se da mesa e oferecer a mão a Luísa, selando um forte aperto de mãos em seguida com Maurício.
– Oras, um almoço  de negócios sempre faz bem aos envolvidos. Ainda hoje á tarde, assinarei o acordo com a agência e vou deixar bem claro que quero vocês dois como responsáveis pelos produtos. Não espero nada menos que excelência vindo de vocês dois.
– Será uma honra trabalhar para o senhor, Maurício – Luísa devolve as palavras gentis com grande classe enquanto se despede do acionista.
– Ah, e Rafa, provavelmente já te disseram isso mas, você tem uma parceira brilhante. É cada vez mais difícil de encontrar uma garota assim, hoje em dia – ele procura seus óculos escuros no bolso do paletó.
– Obrigada.
– Obrigado – ambos respondem simultaneamente, sorrindo – Eu cuido direito dela, não se preocupe, senhor.

Muito discretamente, ambos ficam com rostos corados, e ambos percebem. O acionista, entretanto, não repara nesses detalhes por trás de suas fortes lentes escuras.

Dentro do carro, no caminho de volta, há um silêncio confortável no ar. Sendo estagiária, Luísa só trabalha meio período, então Rafa a deixa em casa. Na agência, ele é recebido com festividade e até direito a champagne. Ele é carregado e brindado por todos os colegas, todos cantam e dançam pelo corredor e recepção. A gerência decretou folga para o turno da tarde. É o maior contrato da história da empresa.

Em meio a tanta confusão e graça, o jovem rapaz  ainda se sente um tanto deslocado. Num canto, manda uma mensagem para Luísa, convidando-a para um jantar, naquela noite. Chegando em casa apressado para se arrumar e ir buscar a moça, ele se depara com a carta de Carol, que só chegara algumas horas antes. Por alguns instantes, ele fica dividido entre adiar o jantar para ler e responder a carta, ou deixar a carta para o dia seguinte e ir a seu jantar.

A carta é deixada sobre a mesa da cozinha, ainda fechada, enquanto ele ruma para o chuveiro.

O jantar se desenvolve tranquilamente e a noite da dupla termina perto das três horas da madrugada, depois de duas das baladinhas – afinal, ainda é quarta feira -, quando Rafael deixa Luísa em casa com um “até daqui a pouco“, que, inconvenientemente, os lembra da responsabilidade que agora se deposita sobre ambos na agência.

Ele espera a garota passar pelo portão da casa, num grande bairro residencial, para então percorrer em silêncio as ruas desertas da capital mineira até seu pequeno apartamento no centro. Não foi uma longa jornada, mas muita coisa passa pela cabeça do rapaz ao mesmo tempo.

“Carol, Luísa, Luísa, Carol, Luísa, Luísa, trabalho, agência, cartas, Carol…

Vai dar confusão, Rafael, vai dar confusão… – ele se lembra das palavras de sua mãe quando, mais jovem, ele inventou de aprender a pilotar uma moto e, na mesma tarde, estava no hospital, com a perna direita fraturada.

Vai dar confusão… – Ele repete em voz alta, para si mesmo, deitando em sua cama arrumada, cansado, suado, calçando sapatos pretos e vestindo calças e camisa com um forte cheiro de cigarros. Fecha os olhos em seguida, por algumas horas, até o despertador acordá-lo.

Em cima da mesa, ainda fechada, a carta passa o resto da semana.

Alguns dias já tinham se passado desde que Carol colocara a última carta no correio. Era um sábado chuvoso e aquelas aulas extras de Clínica Cirúrgica já não estavam se provando tão úteis e interessantes como prometeram no início do semestre. A responsabilidade influenciava muito mais sua presença nas aulas do que o desejo real de estar ali, acordada às 7h da manhã no primeiro dia do fim de semana.

Vindo do centro da cidade, o ônibus de Carol sempre parava do lado oposto ao de sua universidade, forçando-a a esperar a sinaleira fechar para então cruzar as duas pistas separadas por um córrego estreito e uma ponte ainda mais estreita. O ônibus vai vazio, apenas outros dois passageiros. Motorista e cobrador conversam sem muito ânimo. A garota dá sinal que vai descer, já abrindo seu guarda chuva. Não havia trânsito e seu iPod tocava Jorge Ben Jor.


Hugo não se comportava daquela maneira com frequência. Era um rapaz calmo, contido, mas acontecimentos recentes tinham-no colocado fora do eixo. Afinal, quem é que não fica fora do eixo ao encontrar quem ele achava ser o amor de sua vida, na cama, com outra pessoa? Sua reação automática foi entrar de volta no Chevrolet e ir, o mais rápido possível, para o mais longe que pôde pensar. Seu pé era o mesmo que uma pedra sobre o acelerador, seus olhos viam apenas o que se encontrava sobre o asfalto, ignorando completamente tudo que se encontrava fora da pista. O velocímetro parecia querer estourar seu mecanismo e sair rodopiando pelo painel.

“Por que, Marina, por que?” ecoava incessantemente em sua cabeça. Todas as suas brigas repassavam, simultaneamente, na memória, todas as provocações, ciúmes e mal-entendidos. O mundo turbilhava dentro de sua mente e fora do carro, mas no assento do motorista, apenas se ouvia o discreto ronco do motor, lhe dando alguma estabilidade em tão instável condição, criando a ilusão de segurança dentro daquele pequeno espaço fechado, refrigerado e silencioso.

Sobre o painel, seu celular acendera as luzes e começara a tremer, indicando uma chamada. Ao tirar os olhos de suas próprias lembranças e encaminhá-los para a realidade, identificou o número que chamava. Marina. Nesse movimento, identificou também uma garota atravessando o meio da pista, ouvindo distraidamente seu iPod e se protegendo da garoa com seu singelo guarda chuva branco.

A menos de quarenta metros, saindo de uma curva, o bólido Chevrolet preto se aproximava a mais de 120km/h. A primeira reação do rapaz foi de susto e seu reflexo natural foi girar o volante para a esquerda e tirar o pé do acelerador, afundando com tudo no freio, travando as rodas. Em câmera lenta devido à descarga de adrenalina, Hugo viu o rosto surpreso da moça passar à sua direita, quase tocando a janela, ainda teve tempo de olhar para frente, vendo o obstáculo que iria pará-lo.

Pouco mais de um segundo se passou seu retorno à realidade e a colisão violenta com um poste à margem da pista, desviando de Carol por menos de meio metro. O tronco de concreto entrou pela dianteira do veículo quase até o parabrisa, retorcendo metal e estraçalhando peças. As janelas estouraram, lançando cacos dentro do carro e sobre a pista molhada, os faróis quase se encontraram na frente do que costumava ser o capô, também trincados e destruídos.

O corpo de Hugo foi arremessado para frente com brutalidade, segurado apenas pelo cinto de segurança. Sua cabeça atingiu em cheio o volante e sua visão ficou imediatamente turva e esbranquiçada. Ele sente seu coração batendo lentamente – apesar da imensa descarga de adrenalina na corrente sangüínea -, abalado pela pressão do cinto. Seus pulmões lutam, ofegantes para absorver uma nova tragada de vida. Os sons vão ficando cada vez mais distantes e o mundo já parece um lugar bem escuro.

Apesar de atordoada pela passagem do carro tão próximo a ela, Carol rapidamente recobrou a razão, correndo na direção do emaranhado de metais retorcidos e fumegantes. O guarda-chuva abandonado no meio da pista, o telefone numa das mãos, discando automaticamente o número da Emergência. Não há sinais de fogo ou cheiro de combustível, que são dois grandes riscos em acidentes de carro – “Viva o curso de primeiros socorros que fiz nas férias do segundo semestre”, ela agradecia inconscientemente.

Se aproximando pelo lado do motorista, conseguiu abrir, a chutes e puxões, a porta empenada. A cabeça do rapaz estava coberta de sangue, e suas roupas já estavam empapadas com o líquido vermelho. Às pressas e sem nenhuma delicadeza, ela o livrou do cinto de segurança que comprimia o corpo inerte, colocando-o no chão forrado de pequenos cacos de vidro temperado. Carol se debruça sobre ele, procurando seu pulso e respiração, ambos em péssimas condições. Hugo vê uma silhueta bloquear a pouca luz que ainda enxergava.

Ela tapa o nariz do rapaz, cobrindo a boca dele com a sua e lançando ar para dentro de seus pulmões. Depois de duas tentativas, ela checa seu pulso e sente o pior se avizinhando. O coração dele parara de bater. Não muito ao longe, nos portões da Universidade, começam a aglomerar-se pessoas, umas assistindo, horrorizadas, outras mais ativas, já correndo também em direção ao carro, com materiais médicos em mãos. A segunda a chegar, poucos minutos depois de Carol – minutos esses que pareceram uma eternidade – foi Rafael, professor de Anatomia Humana Básica, matéria do primeiro semestre. O volume da sirene da ambulância também se aproximava com velocidade crescente, indicando a chegada do resgate.

Rafael assume a dianteira e começa a fazer uma massagem cardíaca no corpo estendido sobre a calçada enquanto Carol não consegue pensar em mais nada além de “eu deixei este homem morrer”. Assim que a ambulância pára, bruscamente, descem dois paramédicos já com uma maca. Rafael grita as ordens dos procedimentos enquanto a frase não sai da cabeça da garota, que não acompanha a cena que se desenrola diante de seus olhos. Ela só retorna a si mesma quando o professor segura firme em seu ombro e, com a mão coberta de sangue, indica que ela acompanhe o resgate até o hospital.

Enquanto rumava para a ambulância, Carol vê, alguns metros adiante no asfalto, projetado pelo parabrisa e em meio a centenas de milhares de cacos de vidro, o celular do rapaz aparentemente intacto. Ela pega o pequeno aparelho eletrônico, colocando no bolso do jaleco ensangüentado e entrando no veículo. Durante o percurso, ela não diz uma palavra, apesar de apertar incessantemente a mão daquele possível cadáver que jaz na maca já não mais tão alva como antes.

Os paramédicos, horas depois, já no hospital, dizem que as ações de Carol tiveram grande importância no salvamento da vida daquele rapaz.

Aquele telefonema acordou Hugo para o mundo ao seu redor enquanto seguia acelerado, imerso em pensamentos. De certa forma, pode-se dizer que Marina salvou a vida de Carol, que por sua vez salvou a vida de Hugo, tomando as providências necessárias sem pensar nem meia vez.

“Eu salvei a vida dessa pessoa”.