Daydream

PRÓLOGO

Tudo começou com um beijo. Assim, meio clichê mesmo, mas nada comum. Ele, jeans, camisa azul escuro de botões, cabelos levemente em desalinho. Ela, longos cabelos escuros, sandálias de dedo e um vestido azul, curto. Curto talvez até demais para ser comum.

E também não era um beijo comum. Era um beijo por acaso. Muito por acaso. Ele saía do metrô, subia as escadas rumo a céu aberto. Ela descia, em direção à estação. Ele, tranquilo. Ela, apressada. Ele a vê, estão na mesma escadaria. Ela fala ao telefone. Estão se aproximando. Ela escorrega. Ele a apara. Ou melhor, TENTA apará-la.

No momento seguinte, estão os dois no chão. Ela sobre ele. Durante a queda, seus rostos se encontram e seus lábios se tocam. No chão, eles continuam unidos assim por alguns instantes, atordoados. Ela levanta o rosto, rubra, terminando assim o “beijo por acaso”. O celular dela, a alguns metros dali, fala sozinho. Ele a puxa novamente, agora num beijo-não-mais-por-acaso que chama a atenção dos passantes. O celular desiste de falar sozinho.

Foi ASSIM que tudo começou.

CAPÍTULO 01

Há uma porta. Uma chave é colocada na fechadura, e então torcida duas vezes no sentido horário. A maçaneta é girada delicadamente e a mesma mão empurra a porta de forma quase inaudível. Os dois corpos entram na pequena sala atapetada, mas apenas os pés do rapaz tocam o chão.

A jovem moça se agarra a ele com os braços e tem as pernas enlaçadas ao redor de sua cintura enquanto coloca a chave de volta no bolso de trás da calça dele com certa malícia.

– Shh – ele indica que há pessoas dormindo.

Ela aperta os lábios, marota, como quem fiz “daqui não sai nada”, arranhando de leve as costas dele com as unhas e mordiscando sua orelha.

O rapaz termina de fechar a porta silenciosamente. Ele sussurra no ouvido dela.

– E aí, tá com sono? Quer dormir?

Ela murmura algo quase ininteligível.

– Hmm.. ah.. claro que não tô com s… hm…

CAPÍTULO 02

Eles vão adentrando o apartamento da forma mais quieta que consegue, o que não é lá grande coisa. Ele empurra com o pé a porta do banheiro e entra, ainda carregando a garota. Ela tenta murmurar alguma objeção a isso, mas é silenciada por um beijo, daqueles de tirar o fôlego. Ele a coloca sobre a bancada da pia, provocando-lhe um forte arrepio quando suas pernas nuas encostam no granito gelado da bancada e fazendo com que ela aperte mais fortemente o rapaz, intensificando o beijo.

– Frio! – ela murmura com a respiração forte em sua orelha enquanto se levanta para puxar o vestido mais para baixo e cobrir uma parte de suas pernas que toca a pedra.

Ele impede esse gesto, segurando as mãos dela por trás de sua coxa e subindo lentamente, trazendo junto o fino vestido azul turquesa, percorrendo ardorosamente cada detalhe do relevo e pele do corpo dela até chegar ao meio de suas costas.

Ela fica estática, paralisada com os olhos semicerrados, abraçada a ele. Mordendo os lábios impulsivamente, sua boca procura a dele, voraz, com um sorriso de canto.

FINAL

Ela acorda. Está claro. As cortinas estão abertas, permitindo que os raios dourados do Sol iluminem o aposento. É um quarto pequeno, com duas camas e uma mesa de cabeceira. O vestido azul ainda está lá, no chão do banheiro. Ela está nua, coberta por um lençol branco e um edredom pesado.

O rapaz não está a vista. Silêncio. Uma porta se abre, delicada. A garota ouve passos. Ela se levanta, segurando o lençol contra o peito para se cobrir. Ele acabava de entrar em casa, de bermuda e chinelos, com um saco de padaria numa das mãos.

– Bom dia!

– Bom dia…

Ele vai para a pequena bancada que funciona como cozinha. Ela continua ali, em pé, parada entre o quarto e a sala, olhando-o indiferente. Depois de alguns instantes, ela vai até o banheiro.

O rapaz se empenha em preparar um bom café da manhã. Ele ouve a água caindo do chuveiro, forte, dentro da banheira, ainda parcialmente cheia, da noite anterior.

Terminando de preparar os sanduíches e colocar o par de xícaras de café sobre uma pequena mesa-bancada, ele a espera. Vários minutos depois, o som do chuveiro persiste. Ele se levanta e vai até o banheiro. Ao se aproximar, sente água em seus pés. Aturdido, corre até a porta do banheiro, batendo e perguntando.

– Ei, tá tudo bem aí?

Não obtendo resposta, ele vate novamente e por fim tenta girar a maçaneta. A porta se abre.

A banheira está transbordando e o chuveiro está aberto ao máximo. Ele, aos pulos, fecha a água, procurando a garota. Ela não está na banheira. Nem em parte alguma. As roupas também desapareceram. Atônito, ele sai do banheiro e é neste momento que ele percebe a porta da frente apenas encostada, mas entreaberta.

– Mas…?

Ao chegar no hall do elevador, o marcador indica o segundo andar. Primeiro andar. Descendo. Ele corre até o interfone na mesma hora, ligando para a recepção.

– Flat “O Poeta”, recepção, bom dia.

– Oi, aqui é o morador do 1303. Uma moça de vestido azul passou por aí?

– Ela acabou de sair, senhor.

Ele larga o interfone, correndo para a minúscula varanda. Lá embaixo, ele a vê chegando à pista e dando sinal para um taxi.

-EI! – Ele grita com todas as forças.

Ela olha para cima, de relance, para ele, e então entra no carro. O táxi parte, descendo a rua.

O rapaz continua ali. Parado. Estático, por vários minutos.

– Mas, porque…?

No fundo, ele entendia.

EPÍLOGO

Alguns meses depois…

Com uma mão ele empurra um carrinho de compras e vasculha, com os olhos, as prateleiras do mercadinho em busca de geléia de morango. Ao seu lado, de mãos dadas com ele, uma jovem moça de cabelos loiros e pele muito alva.

– Meu bem, esquecemos de pegar o leite!
– Ah, tudo bem, a gente pega antes de sair…
– Não… Eu vou lá pegar. Já volto.
– Ok – ele fala enquanto ela se afasta.

Descendo o corredor, ele finalmente chegas nas geléias. Cmoprarando marcas e preços ele não percebe a aproximação dela. Não usa vestido, desta vez. Usa uma calça jeans escura e uma camisa preta de mangas longas. Em sua cabeça, uma boina, também preta. Estava bela, sim. Como sempre.

– Oi – ela diz, um tanto receosa.

Ele se vira, reconhecendo a voz, com alguns potes de geléia nas mãos.

– Você! Eu… – ele fica confuso, se embolando com as palavras.
– Olha, eu… me desculpe por sair daquele jeito e…
– Tá, tudo bem… Você tinha razão.
– Hm… Eu supero, eu acho – ela toma um dos potes de geléia de suas mãos, mudando repentinamente de atitude – Então quer dizer que essa marca aqui é a melhor?

A loirinha desponta no fim do corredor, trazendo duas caixas de leite longa vida, vindo em direção a eles.

– É, eu realmente espero que sim, sempre compro essa!
– Vou confiar, então! – ela se afasta, sorrindo e levando o frasco.

– Quem era? – pergunta a outra jovem, curiosa, enquanto coloca as caixas de leite no carrinho.
– Uma velha amiga. Não a via há um bom tempo – ele responde, com ar pensativo.
– Hm… Sei… – ela finge uma desconfiança caricaturada, engraçada.

Ele ri e a beija, puxando-a num abraço apertado.

Fim?