Angels

25 de Abril de 1748

Perto de meia noite, o rapaz corre atrás da garota, que se mistura à multidão.

É a primeira vez que eles se vêem. Conversaram por apenas algumas horas. Quando ela percebe a hora, parte em disparada, mas ele tem algo importante para lhe dizer. Algo que talvez mude sua vida para sempre. Mas, para isso, ele precisa alcançá-la.

O salão está cheio. Ele se desvia dos outros casais que dançam, alegres e animados. Ela corre o quanto pode, em direção à sacada. O relógio marca 11h59.

Seus ouvidos estão para estourar de tensão. Ela não pode partir sem saber disso!

“ESPERA! Eu preciso te falar uma coisa!”

Ele a alcança. Ela está na varanda, olhando para baixo. Ainda atônito, ele a olha nos olhos.

“Eu…”

O relógio bate a primeira das doze badaladas. As lâmpadas do salão piscam, e até mesmo as estrelas e a Lua se apagam durante um milésimo de segundo.

“… te amo.”

Mas agora já é tarde, e ela não estava mais ali. Desaparecera, tão misteriosamente como chegara… No ar, apenas o cheiro adocicado dos lírios…

09 de Janeiro de 2008

Dia de sol. Cruzamento movimentado, poucos pedestres caminhando na calçada. Os carros refletem a luz intensa, ofuscando a visão dos passantes.

Um jovem rapaz caminha tranquilamente à margem do trânsito. Ele veste uma calça jeans um tanto quanto gasta e uma camisa branca sem estampas. Seus olhos vagueam pelo ambiente, atentos a pequenos detalhes. Uma folha que se desprende da árvore, um criança tomando sorvete, uma calota solta no meio fio…

A alguns metros de distância, era possível ver o tecido bege do vestido marcar o corpo da garota que, com um singelo sorriso, caminhava, como que pisando sobre nuvens. Sua beleza se destacava, fosse pelas maçãs de seu rosto, tão vermelhas e redondas quanto as da estampa do vestido ou pelos olhos, que teimavam em brigar com o céu pra ver quem era o mais azul.

Andavam os dois, já numa mesma direção, mas em lados opostos do passeio. Cada um andando a seu jeito, estavam praticamente lado a lado, separados apenas pelos carros que passam velozes.

Num movimento fugaz, ambos se vêem, porém, não se reconhecem. Alguns metros mais adiante, ele pára. Seus olhos param de percorrer o cenário, voltando-se para o anjo do outro lado da rua. Ele se recorda de uma garota. Não, não é uma garota qualquer. É AQUELA garota. Ali, em sua frente, do outro lado da rua. Ele quer gritar por ela, mas as palavras parecem fugir de sua boca. E ele só consegue observá-la.

Percebendo o sujeito que a observa, a garota pára também, e vira em sua direção com ar de curiosidade. Ao bater os olhos nele, seus pensamentos se confundem e o mundo parece congelar. Uma eternidade se passa naqueles breves instantes em que seus olhos mergulham na profundidade, um do outro.

Então, como que guiados por uma força superior, eles pisam na pista de asfalto quente, que estranhamente agora não tem mais nenhum veículo. Sem desgrudar os olhos, eles se tocam, se abraçam…

12 de Setembro de 2009 – It’s All Over Now, Baby Blue

Ela em pé, perto da mesa. Ele, sentado numa poltrona do lado oposto da sala. A discussão no ar.

– Não acredito que você pensou isso.
– O que mais eu podia pensar?
– Sinceramente, não acredito.
– Então eu sinto muito.
– Isso só provou que você não me conhece. Todo esse tempo, e você não me conhece.
– Se você quer ir por esse caminho fatalista…
– Acabou. É isso. Acabou.
– Você diz, “Tudo”?
– É. Tudo. Acabou. Não consigo acreditar.
– Você não quer pensar sobre isso, nem um pouco?
– Não consigo ver nada de bom vindo. Só mais tristeza, saudade e lágrimas.
– É esse, todo o seu pensamento.
– É.
– Sua decisão é a mesma?
– Sim.
– Então, acho que é isso.
– Eu te odeio!

Ela sai, batendo a porta. Ele fica ali, em silêncio. Passam-se os dias, e ele lá. Sua cabeça gira, as palavras dela ecoam na memória. “Acabou”. “Você não me conhece!”. É… Talvez eu conheça, talvez eu não conheça mesmo. Que jeito me resta senão respeitar a decisão? Encaremos os fatos. Se nessa situação, tudo que eu posso fazer é magoá-la, apesar do que sinto, acredito que é melhor para ela se eu desaparecer no ar.

E assim acontece. Num instante ele estava lá, no instante seguinte, nada mais havia na cadeira além do reflexo do poente entrando pela janela.

15 de Outubro de 2009 – Ansiedade

Era um dia de sol, daqueles bem iluminados, calorentos e com um ar de ressaca. Talvez o dia mais bonito do mês (ou dos últimos meses)… Bonito pela imagem e pelo futuro conteúdo que estava prestes a transbordar! Aquele era o momento mais esperado por ela. Momento este antecedido de jejum, enjôo, dor de barriga, insônia e diversos palavrões doados para a amiga que a havia aconselhado a encontrá-lo.

“Chegar em casa, tomar banho, se arrumar, descer, andar até a praça (chegar antes dele) e ficar lá”. Esse era o roteiro pronto na cabeça dela. O grande problema é que acabava aí! O resto era uma grande interrogação e um grande “FUDEU!” rondando.

Então, ela chegou ao local combinado (e nem sinal dele, UFA), escolheu o lugar mais fresco para sentar e esperá-lo. Tirou um livro da bolsa e abriu na página 23. Cinco minutos. Dez. Quinze. Meia hora! E ele nada. Talvez ela tivesse chegado muito antes do combinado… e o problema era que o tempo parecia não passar!

Depois de muito tempo esperando, ela sente a presença luminosa e cheia de vontade, parada na sua frente. Aquela vista tão esperada e explosivamente saudosa estava ali. Ele estava ali. Ela o olhou por pequenos segundos e tentou se ocupar com algo. Fechou o livro e o guardou na bolsa (mas antes, olhou de relance em que página tinha parado, e para sua surpresa, continuava na página 23).

Ele foi o primeiro a falar:
– Oi…
– Oi – ela respondeu.

Depois desse enorme diálogo, um silêncio mais enorme ainda se instalou.

Ela não lembra ao certo quem retomou a fala, mas lembra muito bem que as palavras não faziam muito efeito… O que realmente a despertava era aquela voz, aquela forma de falar tão dele, tão doce. Escutá-lo depois de tanto tempo a fez voar, sair daquele momento e a vontade de abraçá-lo quase a tomou por completo.

“Conversa vai, conversa vem”, e o veredito:
– Você tem que se decidir. O QUE VOCÊ QUER? Quer voltar, não quer, quer tentar de novo, quer o quê, finalmente?

O que ela mais queria era que ele a tomasse nos braços, a dissesse que a amava e, o mais importante, que tudo acabasse com um enorme beijo. Mas isso não aconteceu. Ambos tiveram que se contentar com um abraço curto e com o futuro incerto. “Tudo depende dele”, ela pensou. Ele deve ter pensado o mesmo.

O resto da história, nós conhecemos bem. Decidiram tentar, estão tentando e vão continuar tentando até que a morte os separe.

29 de Julho de 2018

Três e Quarenta e quatro da manhã. A brisa morna dos trópicos arrepia os cabelos de ambos que ali estão. Nem frio, nem calor. A temperatura amena dos trópicos os envolve nestes momentos.

No céu, tão escuro como pode ser, completamente salpicado de pequenos pontos brancos e brilhantes que formam inúmeras constelações, uma grande lua cheia e branca banha aquela pequena extensão de costa com sua calma luz pálida. Desta vez, o azul dos olhos dela saiu vencedor.

Em pensar que, apenas algumas horas atrás, eles estavam ali ao lado, logo atrás da barreira das árvores, agitados, dançando, cantando e comemorando após a breve e marcante cerimônia, que contara apenas com a presença dos amigos mais próximos.

E agora, estão ali. Sentados na areia fina, macia e seca, um ao lado do outro. De mãos dadas, olhando para o céu. O silêncio reina absoluto, respeitado até mesmo pelas aves noturnas e pelo vento nas copas das árvores. Várias horas já se passaram sem que dissessem uma única palavra. Somente estiveram ali. Um com o outro, sem maiores pretensões.

Ele respira fundo e sorri, com os olhos e o canto da boca.

– É, acho que agora é pra sempre.

Ela murmura de volta.

– É… “Acho” não… Eu tenho certeza.

Num fugaz instante, desviam seus olhares das constelações rutilantes e se olham nos olhos. Nenhum dos dois fala mais nada, pois não é necessário. Eles apenas continuam a sentir. Isso é  mais que suficiente. Ele estende a mão até sua nuca, envolvendo-a, e seus rostos se aproximam lentamente, até seus lábios se tocarem, cálidos e apaixonados.

Suas silhuetas recortadas contra a luz da lua se projetam longas e sinuosas pela praia. Eles se deitam na areia.

Ah, se o mundo soubesse como os anjos esperaram por esse momento…

Fim.